terça-feira, 27 de março de 2012

"Teorema", de Pasolini


por André Setaro

Pasolini teve morte trágica em novembro de 1975, despedaçado pelas rodas de um carro, restando, seu corpo, irreconhecível. Desapareceu na periferia de Roma, numa zona freqüentada por homossexuais e, pelo que se sabe, um deles atacou o cineasta, que, já morto, foi totalmente esmagado pelo automóvel do assassino. Homossexual assumido, Píer Paolo Pasolini já anuncia, como numa premonição, a sua morte em sua derradeira obra, Saló ou Os 120 dias de Sodoma, baseado em relatos do Marquês de Sade adaptados para a Itália fascista dos anos quarenta. O filme é uma verdadeira descida ao inferno e, nele, patentes, o desespero, a desesperança, o ceticismo do autor de Teorema.

Um rico industrial, casado, com dois filhos, recebe, de repente, a visita de um anjo, que, elemento deflagrador, provoca, com a sua presença, uma crise familiar. O anjo, que não se sabe de onde veio, tem relações sexuais com todos os familiares. Estes ficam totalmente atônitos e começam a ter comportamentos esquisitos. A mãe (interpretada pela deusa Silvana Mangano) sai pelas ruas de Roma à cata de homens para satisfazer suas fantasias, com um gosto insólito pelos tipos mais rudes e grossos. O filho vira artista abstrato numa pulsação quase maníaca. A sua irmã, chocada, fica catatônica enquanto o pai, desesperado, corre pelo deserto após doar a sua fábrica aos operários. Apenas a criada (Laura Betti) é que é salva pelo autor, pois sai da casa onde trabalha e se dirige ao vilarejo natal, quando levita e fica parada no firmamento. Objeto de culto e veneração.



O anjo, interpretado por Terence Stamp, é um personagem bem típico dos filmes cujas fábulas apontam pelo aparecimento de um elemento deflagrador que provoca uma crise de identidades ou um pandemônio quando se instala. Geralmente um forasteiro, como o Shane de Os brutos também amam, western grandioso de George Stevens, que, chegando a uma cidade, muda seus rumos e o de seus habitantes. Assim também William Holden, o forasteiro que, em Férias de amor (Picnic), provoca os ânimos de uma sociedade aparentemente ordeira, mas altamente preconceituosa. Stamp, revelado por William Wyler em O colecionador(1964), logo virou, pelo seu carisma, pelo seu olhar angelical, pela sua maneira de ser, um ator cobiçado pelos mestres do cinema, a exemplo de Federico Fellini que o destacou para o quadro principal de seu curta incluso no longa Histórias extraordinárias, filme pouco visto do cineasta de La dolce vita, com um sabor insólito e surrealista - Toby Dammit, o seu episódio, sendo os outros de Roger Vadim e Louis Malle.



O elenco de Teorema é excelente. Além de Stamp e La Mangano, Laura Betti, que faz a servente, atriz combatente, militante e amiga de Pasolini, que, até hoje, preserva a sua memória e trabalha no sentido de que sua morte seja revelada como um assassinato político. O industrial é Massimo Girotti. Rever Teorema é uma exigência nesses tempos pós-modernosos nos quais os filmes como que pararam de investir no desnudamento das idiossincrasias do homem, porque preocupados apenas com as suas ações exteriores. Teorema, de Píer Paolo Pasolini, é um filme aparentemente estranho para aqueles não acostumados à poética do autor. Mas, indiscutivelmente, uma obra de arte.



Marxista, ateu, Pasolini, pouco antes de Teorema, filmou a melhor vida de Cristo no cinema, que foi O evangelho segundo São Matheus, que dedicou ao Papa João XXIII. Além de cineasta, poeta, romancista, articulista, homem de combate, Pasolini revela, em suas obras, o seu sentido humanístico que aflora através de parábolas como Gaviões e passarinhos, entre outros. É a maneira de captar os gestos, é um sentido singular de apreender o homem comum, é a maneira de colocar a câmera diante do humano, a surpreender o insólito do ser, particularidades que fazem de Pasolini uma singularidade, um cineasta que tem uma marca, um estilo, um pensamento, uma visão do mundo e da vida. Um sentido que se aguça com descrença, porém, nos últimos anos de vida, quando a descrença, o ceticismo, e a revolta parecem tomar-lhe conta como expõe muito bem seu canto de cisne chamado Saló.


Pasolini e Silvana Mangano

André Setaro é professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, onde ensina Oficina de Comunicação Audiovisual e Linguagem Cinematográfica, comentarista, com coluna sobre cinema no Terra Magazine e no jornal de Salvador Tribuna da Bahia, escreve ainda suas considerações em seu BLOG 

ENTREVISTA INÉDITA COM PIER PAOLO PASOLINI

7 comentários:

  1. O primeiro aspecto geralmente destacado quando se fala de O Evangelho Segundo São Mateus é o fato da obra ter sido incluída na famosa lista do Vaticano com os 45 filmes de temas religiosos aprovados pela Igreja Católica, lista que, conforme consta nos extras do dvd desse filme de Pasolini, deixou de fora, por exemplo, o épico grandiloqüente Os Dez Mandamentos, de Cecil B. DeMille.

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  2. Simples, Samuel, a segunda cena mais impactante do espetacular Os Dez Mandamentos, é quando Moisés desce do monte e com as pedras das leis, quebra o sustentáculo da agora decadente igreja do Vaticano. A simbologia do bezerro de ouro despedaçado foi bem no coração da idolatria do Vaticano e suas centenas de estátuas de santos milagreiros.

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  3. No meu comentário me refiro à entrevista do Pasolini que tem link nos post desse magnífico Teorema.

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  4. Tive, e ainda tenho, muito poucas afinidades com este diretor.
    Mesmo porque seu centro é muito anverso ao que os distribuidores nos mostram, que é, preferencialmente, o cinema americano. Isto apesar de raras obras Japonesas caminharem quase às escondidas por nossas telas.

    Nos meus tempos de adolescente tive muitos contatos com outros centros cinematográficos, como; Italia, Russia, França, Japão, India, etc. Porém, estes dignos presentes, esta cinematografia muito singular e cultural nos passou a se tornar objetos de luxo exclusivo, apenas encontradas em raras locadoras, mesmo essas estando em franco desaparecimento em função do CINEMA PIRATA haver lhes passado uma rasteira.

    No entanto vi tres obras deste cineasta, que foram; Os 120 Dias de Sodoma/75, As 1001 Noites/74 e Decameron/71.

    São filmes com temas particularmente exclusivos do diretor, e que nos conduzem a reflexões diversa.

    Por se tratar de cinema, de arte, de criação, são todas obras aceitas, pois à "Arte Cinema" é permitida diversificações nos seus temas, que são de variações mil, interessantes, criativos e alternativos.

    Não vi Teorema, embora, à sua época eu houvesse tido vontade de ver, mas que a faixa etária não me permitia.
    Os demais que vi com o mesmo, os assisti na TV, possivelmente com imensos e diversos cortes, além de exibição exclusiva para adultos e muito tarde da noite.

    Porém, Teorema jamais passou em qualquer canal de TV.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  5. Samuel e Cassandra;

    Li e fiquei estupefato com as informações que puseram nos seus justos e bem confeccionados comentários.

    Como é bom esta diversificação de informações, que nos conduzem a fatos e noticia que jamais ouvimos e que terminam se tornando impactantes e muito importantes para nós.

    Bom ter vocês como participantes deste blog, vocês com seus conhecimentos que terminam os disseminando para outros como, neste caso eu.

    Parabens a ambos e sigam pondo estes conhecimentos para fora, fazendo com que outros participem destes conhecimentos.
    jurandir_lima@bol.com.br

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  6. RUTH DE SOUZA
    Li o livro sobre a Ruth de Souza e também gostei muito, a foto publicada nesse blog não é da Ruth de Souza com a Eliane Laje e sim com a Inezita Barroso no filme Angela.

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  7. José Enéias;

    Este engano que pegaste eu também havia observado.
    No entanto, como eu não sabia quem era a outra e nem de que filme se trataba, me calei.

    Mas, estás mais que certo. A Ruth pode estar naquela foto com qualquer pessoa, menos com a lindissima Eliane Lage.

    Parabens pela emenda e elos bons olhos de um cinéfilo.
    jurandir_lima@bol.com.br

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