sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Rio, 40 Graus...




“Escrevi o roteiro do Rio, 40 graus, mas não consegui produção, pois ninguém queria fazer um filme com personagens negros...” (Entrevista no final do post).

Filho de um alfaiate e de uma dona-de-casa de origem italiana, Nelson Pereira dos Santos nasceu no bairro do Brás e foi criado no Bixiga, em São Paulo. No início dos anos 50, formou-se pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, mas já estava apaixonado pelo cinema. Escolheu então o Rio de Janeiro para morar e iniciou a trajetória que o tornaria um dos mais importantes precursores do movimento do Cinema Novo.

Após uma viagem a Paris, fez o curta-metragem "Juventude", um documentário em 16 mm. No ano seguinte estreou como assistente de direção no filme "O Saci", de Rodolfo Nanni. Em 1955, aos 27 anos, lançou o longa "Rio 40 Graus", o primeiro de uma trilogia idealizada sobre a cidade que adotou. Dois anos depois concluiu "Rio, 40 Graus”.

Nelson Pereira dos Santos fez mais de 20 filmes, entre os quais "Vidas Secas", "Boca de Ouro", "Mandacaru Vermelho", "El Justicero", "Fome de Amor", "Como Era Gostoso o Meu Francês", "Azyllo Muito Louco", "Amuleto de Ogum", "Jubiabá", "A Terceira Margem do Rio", "Cinema de Lágrimas" e "Tenda dos Milagres".

Em 1984, transformou uma obra-prima de Graciliano Ramos, "Memórias do Cárcere", em filme e ganhou o prêmio da crítica especializada no Festival de Cannes, França.


Nelson foi professor fundador do curso de cinema da Universidade de Brasília (o primeiro do Brasil). Lecionou ainda na Ucla (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e na Universidade de Columbia, em Nova York. É também membro do Conselho Superior da Escola de Cinema de Havana.

Seu trabalho mais recente é o filme "Brasília 18%", cujo título é uma referência à baixa taxa de umidade do ar na cidade.

Durante 49 anos Nelson foi casado com a antropóloga Laurita Andrade Sant'Anna dos Santos, que faleceu em junho de 1999. Tem três filhos - Nelson, Ney e Márcia - e cinco netos.

No dia 17 de julho de 2006, aos 77 anos, foi o primeiro cineasta a se tornar membro da Academia Brasileira de Letras, na cadeira de número 7, cujo patrono é Castro Alves, que pertencia anteriormente a Sergio Correia da Costa.

RANÇOIS TRUFFAUT disse certa vez que toda a obra de um cineasta está contida no primeiro carretel de seu primeiro filme. Talvez essa afirmação seja válida somente para aqueles realizadores que apresentam grande coerência no interior de suas obras. Esse é o caso de Nelson Pereira dos Santos.
No primeiro carretel de Rio, 40 graus, podemos identificar uma característica que estaria presente durante toda sua trajetória como artista: o amor pelo Brasil. No entanto, a nação que Nelson Pereira dos Santos decidiu levar para as telas não é aquela dos cartões-postais, com belas praias ensolaradas. O Brasil que o diretor se propôs a retratar em seus filmes era grande demais para caber em versões oficiais, pois era o país dos favelados, dos flagelados pela seca, dos artistas do povo, do universo mágico popular, dos intelectuais em crise ou atuantes diante dos regimes ditatoriais.
O cineasta concedeu uma entrevista à “Estudos Avançados”, em 2007, quando falou sobre alguns de seus filmes e, por extensão, sobre o Brasil dos últimos cinqüenta anos.

ESTUDOS AVANÇADOS – Você começou a ir ao cinema ainda na década de 1930. Quais eram os filmes a que o menino Nelson Pereira dos Santos assistia nas matinês dos cinemas do Brás?
Nelson Pereira dos Santos – Minha mãe contava que levava a família às matinês dominicais do Cine-Teatro Colombo. Morávamos no outro lado da rua. As sessões começavam logo depois do almoço – “Quem não comer tudo não vai ao cinema!” – e terminavam às 7 da noite. No programa: dois longas, dois seriados, tipo Tom Mix ou Tarzan, uma comédia de curta-metragem, pelo menos um desenho animado e alguns trailers dos programas a seguir.
Acho que o primeiro filme que vi, ou pelo menos aquele que mais me marcou, foi um western. Lembro-me apenas da parte final, quando o herói, um jovem caubói, atravessa o deserto, última etapa para voltar à sua cidade e aos braços da amada. Está faminto e sedento. Encontra uma casa em ruínas e, nela, um poço com terrível aviso: “Quem beber dessa água, morrerá em uma hora”. O herói despreza a advertência, mata a sede e continua a cavalgar. Consegue chegar à cidade, que se encontra em plena celebração de um casamento. O casamento de sua amada com outro...

Continue com a ENTREVISTA




Um comentário:

  1. Está ai um homem carecedor de todo o respeito e reverancia, dado à sua vida entregue, exclusivamente, ao cinema.

    Quase que um pioneiro, Nelson retratou o nosso cotidiano, o cotidiano brasileiros cheios de pobreza, fome, sofrimentos, desespero, mazelas e desesperança, na segunda metade do século passado.

    Sim; porque atacar um romance de Guimarães Rosa e mostrar a saga de uma familia de retirantes em busca de dias melhores, a pés, sem comida, sem água, sem esperanças, atraves da aridez do nosso sertão, não foi um trabalho fácio de ser feito.

    Mas Sena o fez. E o fez com louvor, dando aos brasileiros uma amostra de que pelo que passa nosso povo que vive nos confins daquele sertão tão pouco lembrado por nossos governantes

    Cinquenta anos se passaram e, ao que vejo, quase nada, para não dizer nada, mudou.
    Tenho certeza que a cena daquela familia segue se repetindo no dia a dia daqueles nossos irmãos carente de nossas mãos para sentirem que são tão brasileiros quanto os que vivem no Sul, Sudeste ou em outras zonas menos desprotegidas.

    E Nelson os retratou com a dignidade que eles assim a necessitavam, nos dando um filme quase que único dentro do tema.

    Mas Nelson não partiu para sua vida artistica em Vidas Secas. Antes já nos havia dado Rio, 40 Graus e Rio, Zona Norte, retratando também outro tipo de sequela em nossa sociedade, que eram os moradores das favelas do Rio de Janeiro.
    Foram dois filmes crus, duros, doidos e repletos de queixas e amostras de um tipo de vida totalmente excluidas do patamar normal deste pais desigual e com sintomas de burguesia.

    Estas tres amostras o elevaram a um trono impar na nossa cinematografia, onde muitos poucos ou quase nenhums haviam abordado de maneira sórdida e verdadeira o cotidiano de grande percentagem de nosso povo.

    Em 1970 embrenha-se com sua equipe na selva afim de nos dar um valoroso filme como "Como Era Gostoso o Meu Frances", uma obra sobre o prisioneiro frances pelos tupinambas, Hans Staden, lá pelos fins do século 16.
    Recentemente tivemos um filme do mesmo nome, "Hans Staden", porém sem as mãos de Nelson no seu comando e assim, algo sem o valor de "Como Era Gostoso O Meu Frances".

    E com O Boca de Ouro, Memorias de Cáceres, Mandacaru Vermelho (este filmado na Bahia), Tenda dos Milagres e muitos outros, Nelson tornou-se um nome exigido no meio cinematográfico brasileiro como um baluarte vivo, como uma memória do nosso cinema e como um mestre inquestionável desta arte.

    Mais que merecida sua inclusão na casa dos bons e inteligentes velhinhos do nosso país, que é fazer parte da Academia Brasileira de Letras, onde somente ali estagiam quem tem porções fortes apresentadas no teor das artes do país, este ainda cheio muitas de injustiças, em que vivemos, mas onde sonhamos por dias e momentos melhores para este povo que teima em viver.
    jurandir_lima@bol.com.br

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