quarta-feira, 27 de junho de 2012

2001: Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick, 1968)



por Amilcar Figueiredo
Desde o início da história, a capacidade de olhar para o céu e indagar seu significado é um dos elementos que mais individualizam a espécie humana dos demais animais que habitam o planeta Terra. Todos nós, mamíferos, aves, invertebrados, bactérias, temos invariavelmente as mesmas necessidades básicas: se alimentar, crescer, transmitir nossos genes, perpetuar a espécie. Mas a curiosidade, a reflexão e o respeito pela imensidão do infinito, que fazem tão bem a qualquer ser senciente, estão indubitavelmente entre nossos mais inspirados atributos.

Furor e poder do homem pré-histórico
Em contraponto, basta olhar ao redor para perceber como o ser humano vem se tornando cada vez mais inadaptado ao meio em que vive. A busca por novos alimentos para o corpo e para o espírito levou, paradoxalmente, à necessidade de uma artificialização progressiva. À medida que o homem invadia novos espaços, precisava cada vez mais de artefatos para subsistir; não bastava conquistar o novo território, era preciso mantê-lo. E isso ele jamais poderia fazer tendo sua própria carne como único veículo.
O que produziu essa aberração que é o ser humano? Por que isso aconteceu apenas conosco nesse planeta, e como? No final da década de 60, Arthur C. Clarke e Stanley kubrick propuseram, sob a forma de sons e imagens em película, uma resposta arrojada para tais perguntas: somos produto de uma intervenção externa. Este é o mote central de 2001: Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odissey, 1968), um filme no qual o ciclo da vida, da morte e da transcendência que lhes permeia é retratado da pré-história a um futuro que ficou no passado e que, por estas e outras razões, foi imortalizado para sempre em nossas consciências.
Comandante Dave Bowman (Kleir Dullea)

O início de 2001 é inteiramente dominado por um grupo de humanos, anônimos, do tempo em que éramos mais assemelhados aos demais símios do que somos hoje. Os afazeres de então, em sua essência, não mudaram muito ao longo dos séculos: alimentação, vestuário, segurança, conforto. O rompimento das preocupações com as tarefas mundanas e a busca pelo significado da própria existência são proporcionados por um monólito negro, a fagulha da auto-consciência materializada em um objeto de formas e dimensões perfeitas.

Em um sensacional salto no tempo, o osso que havia sido usado como arma há poucos segundos se transforma em uma estação espacial, momento em que é apresentada uma nova humanidade, mais proficiente tecnicamente porém igualmente orgulhosa de si própria e ainda apegada às mesmas atividades mundanas. O monólito precisa agir mais uma vez e é o que ele faz, apresentando-se na Cratera Raiada de Tycho, na Lua. Se antes ele havia sido a faísca do desenvolvimento tecnológico, agora ele desencadeia reflexões de ordem filosófica: Alguém além de nós fez isso. Quem? E por que? Para obter tais respostas a humanidade rompe novas barreiras físicas e vai a Júpiter a bordo da nave Discovery, em uma missão comandada por três seres. Dois deles são humanos, Dave Bowman (Kleir Dullea, excepcional) e Frank Poole (Gary Lockwood). O terceiro é mecânico: o supercomputador HAL 9000. Independentemente de serem compostos de carbono ou de silício, os três têm aspirações, desejos e medos, os quais invariavelmente colidirão em eventos de proporções trágicas.

Diálogo dentro da nave 
Na concepção de 2001, HAL é tão consciente e digno de consideração quanto os demais componentes da tripulação, pois tem memória – o que lhe possibilita criar sentimentos –, curiosidade e desejo de aprender. Um universo de máquinas humanizadas e humanos mecânicos, tecnologicamente dominantes porém amarrados a paradigmas cartesianos, representa uma subversão tão grande dos conceitos da humanidade sobre si própria que não poderia ser apresentado de maneira superficial ou rápida ao espectador. Por esta razão é que Stanley Kubrick optou por uma estrutura narrativa que mais se assemelha a um balé. Seu filme se desenvolve cadenciada e harmoniosamente, associando uma trilha sonora clássica (tendo Assim Falou Zaratustra, de Richard Strauss, como ícone) a imagens de um apuro visual ainda hoje impressionante. Repletos de simbolismos, os poéticos frames de 2001 parecem pinturas dispostas em seqüência, acompanhados de uma música suave e contrastante com a brutalidade das idéias apresentadas.
Super computador HAL de olho e “ouvidos” na tripulação


O clímax do filme é, em todos os aspectos, a seqüência final na qual Dave Bowman, já próximo a Júpiter, parte numa expedição extraveicular com o objetivo de salvar a missão e, em último grau, sua própria sanidade. Dave vivencia o mesmo gênero de transição que os humanos primitivos do início, porém numa escala muito maior; na pré-história, o monólito liberta a mente primeva das amarras de uma programação biológica incompleta (o DNA) para desenvolver a tecnologia; no presente/passado/futuro de 2001, o monólito ajuda uma mente um pouco mais evoluída a libertar-se da própria matéria.
O revolucionário Stanley Kubrick no set de filmagens da Odisseia


Caem as últimas barreiras, as da carne e de suas naturais limitações – o que nos remete ao início desse texto. Desta vez sem artefatos, a consciência livra-se de sua prisão corpórea. Dave Bowman vê a si próprio e a sua história; Dave Bowman envelhece; Dave Bowman morre. Vida longa a Dave Bowman, agora renascido sobre a forma da criança-estrela: ontem um humano, hoje um cidadão do universo. Toda a experiência, retratada sob a forma de uma verdadeira apoteose de sons e imagens, tem diferentes significados para cada pessoa que a vê, mas o sentido final, de libertação e transcendência, é acessível a qualquer um de nós. Assim como foi para Stanley Kubrick, cuja despedida de seu invólucro de carne não deve ter sido menos gloriosa.
Kubrick dirigindo o espetáculo de ficção científica nos estúdios.

DEBATE: Quase tudo sobre este marco da história do Cinema

Dirigido por Stanley Kubrick.
Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester, Leonard Rossiter, Margaret Tyrack, Robert Beatty, Sean Sullivan, Daniel Richter e Douglas Rain (voz de HAL 9000). 
Roteiro: Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke. 
Caricatura: João de Deus Netto/Cinemascope Blog
Produção: Stanley Kubrick. Fonte: Multiplot.wordpress

2 comentários:

  1. Joao, adorei o comentario sobre 2001 UMA ODISSEIA NO ESPAÇO. Esse foi sem duvidas um dos melhores filmes que ja vi. Umas das melhores senas para min é quando o astronauta Bowman ao perceber que estavam sendo controlados pelo HAL resolve desliga-lo entrando no banco de memoria do HAL. O roteiro do filme é perfeito, a musica tinha que ser aquela( assim falou Zaratustra)de Straus. Incrivel,fantastico fabuloso. PARABENS

    Haroldo Lima

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  2. 2001, Uma Odisseia é, de fato, um filme inovador, diferente, muito futurista para a época, muito belo e instigante.
    Uma fita até dificil de um entendimento completo por quem não tem malicia na arte ou um conhecimento mais a fundo de cinema.

    Kubrick se imortalizou por trazer para o cinama seus temas inovadores, alternativos, diferentes e normalmente muito bons.

    Fez isso em O Grande Golpe/56, um filme muito bom e até meio eletrizante, dando a Hayden um dos grandes momentos de sua carreira.

    Dirigiu Spartacus/60, a chamado de Douglas, e fez deste, mesmo com podas e constrangimentos, um filme mais ou menos ao seu estilo, tornando esta fita o melhor no genero até o momento, conforme critica nacional e internacional.

    Criou seu estranho e funcional Laranja Mecanica/71, um filme dentro de padrões completamente diferentes a tudo feito até o momento e que deu certo, por se tratar de uma denuncia cheia de veracidades.

    Em 1987 nos presenteou com uma denuncia sobre a guerra do Vietnã com seu Nascido Para Matar, um filme onde não se consegue ve-lo com qualquer ar de indiferença no semblante, muito menos com qualquer sorriso na face.

    E fez muito mais, como seu magnifico Lolita/62, Dr. Fantástico/64, e seu derradeiro e muito bom trabalho, De Olhos Bem Fechados, um filme soturno, de dificil absorção, muito explicito e que repercutiu muidialmente como uma de suas melhores obras. Aliás, fita que ele tinha na mente e com desejo de filma-lo já de muitos anos antes.

    Em resumo um pequeno monstro sagrado da meca do cinema. Um homem/diretor que não fazia um filme por ano ou mais conforme era praxe em Hollywood.
    A não ser no inicio de sua carreira, quando precisava se firmar e mostrar ao mundo Stanley Kubrick, para um diretor de seu porte, Kubrick dirigiu muitos poucos filmes em tantos anos dentro da arte.
    jurandir_lima@bol.com.br

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