por Amilcar Figueiredo
Desde o início da história, a
capacidade de olhar para o céu e indagar seu significado é um dos elementos que
mais individualizam a espécie humana dos demais animais que habitam o planeta
Terra. Todos nós, mamíferos, aves, invertebrados, bactérias, temos invariavelmente
as mesmas necessidades básicas: se alimentar, crescer, transmitir nossos genes,
perpetuar a espécie. Mas a curiosidade, a reflexão e o respeito pela imensidão
do infinito, que fazem tão bem a qualquer ser senciente, estão indubitavelmente
entre nossos mais inspirados atributos.
Furor e
poder do homem pré-histórico
Em contraponto, basta olhar ao redor
para perceber como o ser humano vem se tornando cada vez mais inadaptado ao
meio em que vive. A busca por novos alimentos para o corpo e para o espírito
levou, paradoxalmente, à necessidade de uma artificialização progressiva. À
medida que o homem invadia novos espaços, precisava cada vez mais de artefatos
para subsistir; não bastava conquistar o novo território, era preciso mantê-lo.
E isso ele jamais poderia fazer tendo sua própria carne como único veículo.
O que produziu essa aberração que é o
ser humano? Por que isso aconteceu apenas conosco nesse planeta, e como? No
final da década de 60, Arthur C. Clarke e Stanley kubrick propuseram, sob a
forma de sons e imagens em película, uma resposta arrojada para tais perguntas:
somos produto de uma intervenção externa. Este é o mote central de 2001: Uma
Odisséia no Espaço (2001: A Space Odissey, 1968), um filme no qual o ciclo da
vida, da morte e da transcendência que lhes permeia é retratado da pré-história
a um futuro que ficou no passado e que, por estas e outras razões, foi
imortalizado para sempre em nossas consciências.
Comandante Dave Bowman (Kleir Dullea)
O início de 2001 é inteiramente
dominado por um grupo de humanos, anônimos, do tempo em que éramos mais
assemelhados aos demais símios do que somos hoje. Os afazeres de então, em sua
essência, não mudaram muito ao longo dos séculos: alimentação, vestuário,
segurança, conforto. O rompimento das preocupações com as tarefas mundanas e a
busca pelo significado da própria existência são proporcionados por um monólito
negro, a fagulha da auto-consciência materializada em um objeto de formas e
dimensões perfeitas.
Em um sensacional salto no tempo, o
osso que havia sido usado como arma há poucos segundos se transforma em uma estação
espacial, momento em que é apresentada uma nova humanidade, mais proficiente
tecnicamente porém igualmente orgulhosa de si própria e ainda apegada às mesmas
atividades mundanas. O monólito precisa agir mais uma vez e é o que ele faz,
apresentando-se na Cratera Raiada de Tycho, na Lua. Se antes ele havia sido a
faísca do desenvolvimento tecnológico, agora ele desencadeia reflexões de ordem
filosófica: Alguém além de nós fez isso. Quem? E por que? Para obter tais
respostas a humanidade rompe novas barreiras físicas e vai a Júpiter a bordo da
nave Discovery, em uma missão comandada por três seres. Dois deles são humanos,
Dave Bowman (Kleir Dullea, excepcional) e Frank Poole (Gary Lockwood). O
terceiro é mecânico: o supercomputador HAL 9000. Independentemente de serem
compostos de carbono ou de silício, os três têm aspirações, desejos e medos, os
quais invariavelmente colidirão em eventos de proporções trágicas.
Diálogo
dentro da nave
Na concepção de 2001, HAL é tão
consciente e digno de consideração quanto os demais componentes da tripulação,
pois tem memória – o que lhe possibilita criar sentimentos –, curiosidade e
desejo de aprender. Um universo de máquinas humanizadas e humanos mecânicos,
tecnologicamente dominantes porém amarrados a paradigmas cartesianos,
representa uma subversão tão grande dos conceitos da humanidade sobre si
própria que não poderia ser apresentado de maneira superficial ou rápida ao
espectador. Por esta razão é que Stanley Kubrick optou por uma estrutura
narrativa que mais se assemelha a um balé. Seu filme se desenvolve cadenciada e
harmoniosamente, associando uma trilha sonora clássica (tendo Assim Falou
Zaratustra, de Richard Strauss, como ícone) a imagens de um apuro visual ainda
hoje impressionante. Repletos de simbolismos, os poéticos frames de 2001 parecem
pinturas dispostas em seqüência, acompanhados de uma música suave e
contrastante com a brutalidade das idéias apresentadas.
Super
computador HAL de olho e “ouvidos” na tripulação
O clímax do filme é, em todos os
aspectos, a seqüência final na qual Dave Bowman, já próximo a Júpiter, parte
numa expedição extraveicular com o objetivo de salvar a missão e, em último
grau, sua própria sanidade. Dave vivencia o mesmo gênero de transição que os
humanos primitivos do início, porém numa escala muito maior; na pré-história, o
monólito liberta a mente primeva das amarras de uma programação biológica
incompleta (o DNA) para desenvolver a tecnologia; no presente/passado/futuro de
2001, o monólito ajuda uma mente um pouco mais evoluída a libertar-se da
própria matéria.
O revolucionário Stanley Kubrick no set de
filmagens da Odisseia
Caem as últimas barreiras, as da carne e de suas naturais
limitações – o que nos remete ao início desse texto. Desta vez sem artefatos, a
consciência livra-se de sua prisão corpórea. Dave Bowman vê a si próprio e a
sua história; Dave Bowman envelhece; Dave Bowman morre. Vida longa a Dave
Bowman, agora renascido sobre a forma da criança-estrela: ontem um humano, hoje
um cidadão do universo. Toda a experiência, retratada sob a forma de uma
verdadeira apoteose de sons e imagens, tem diferentes significados para cada
pessoa que a vê, mas o sentido final, de libertação e transcendência, é
acessível a qualquer um de nós. Assim como foi para Stanley Kubrick, cuja
despedida de seu invólucro de carne não deve ter sido menos gloriosa.
Kubrick
dirigindo o espetáculo de ficção científica nos estúdios.
DEBATE: Quase tudo sobre este marco da história do Cinema
Dirigido por Stanley Kubrick.
Elenco: Keir Dullea, Gary Lockwood, William Sylvester,
Leonard Rossiter, Margaret Tyrack, Robert Beatty, Sean Sullivan, Daniel Richter
e Douglas Rain (voz de HAL 9000).
Roteiro: Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke.
Caricatura: João de Deus Netto/Cinemascope Blog
Produção: Stanley Kubrick. Fonte: Multiplot.wordpress
Joao, adorei o comentario sobre 2001 UMA ODISSEIA NO ESPAÇO. Esse foi sem duvidas um dos melhores filmes que ja vi. Umas das melhores senas para min é quando o astronauta Bowman ao perceber que estavam sendo controlados pelo HAL resolve desliga-lo entrando no banco de memoria do HAL. O roteiro do filme é perfeito, a musica tinha que ser aquela( assim falou Zaratustra)de Straus. Incrivel,fantastico fabuloso. PARABENS
ResponderExcluirHaroldo Lima
2001, Uma Odisseia é, de fato, um filme inovador, diferente, muito futurista para a época, muito belo e instigante.
ResponderExcluirUma fita até dificil de um entendimento completo por quem não tem malicia na arte ou um conhecimento mais a fundo de cinema.
Kubrick se imortalizou por trazer para o cinama seus temas inovadores, alternativos, diferentes e normalmente muito bons.
Fez isso em O Grande Golpe/56, um filme muito bom e até meio eletrizante, dando a Hayden um dos grandes momentos de sua carreira.
Dirigiu Spartacus/60, a chamado de Douglas, e fez deste, mesmo com podas e constrangimentos, um filme mais ou menos ao seu estilo, tornando esta fita o melhor no genero até o momento, conforme critica nacional e internacional.
Criou seu estranho e funcional Laranja Mecanica/71, um filme dentro de padrões completamente diferentes a tudo feito até o momento e que deu certo, por se tratar de uma denuncia cheia de veracidades.
Em 1987 nos presenteou com uma denuncia sobre a guerra do Vietnã com seu Nascido Para Matar, um filme onde não se consegue ve-lo com qualquer ar de indiferença no semblante, muito menos com qualquer sorriso na face.
E fez muito mais, como seu magnifico Lolita/62, Dr. Fantástico/64, e seu derradeiro e muito bom trabalho, De Olhos Bem Fechados, um filme soturno, de dificil absorção, muito explicito e que repercutiu muidialmente como uma de suas melhores obras. Aliás, fita que ele tinha na mente e com desejo de filma-lo já de muitos anos antes.
Em resumo um pequeno monstro sagrado da meca do cinema. Um homem/diretor que não fazia um filme por ano ou mais conforme era praxe em Hollywood.
A não ser no inicio de sua carreira, quando precisava se firmar e mostrar ao mundo Stanley Kubrick, para um diretor de seu porte, Kubrick dirigiu muitos poucos filmes em tantos anos dentro da arte.
jurandir_lima@bol.com.br